Antes mesmo da virada regulatória do combustível marítimo (chamado de bunker), no início deste ano, empresas do segmento de transporte de longas distâncias e cabotagem já começaram a sentir o peso nos seus custos do novo cenário, que fez o bunker saltar em 50% no Brasil.
Em outubro, quando a Petrobrás começou oficialmente a vender o bunker de 0,5% de teor de enxofre, os preços estavam próximos de US$ 400/t. Hoje, já ultrapassam os US$ 650/tonelada em Santos. Enquanto isso, o preço médio no mundo do bunker IFO 380 (com teor de enxofre de 3,5%) está na casa dos US$ 370/tonelada – a estatal deixou de fabricar a versão por aqui.
Desde o dia 1º de janeiro, as embarcações passaram a ser obrigadas a usar combustíveis com teor de enxofre de no máximo 0,5%, contra o limite anterior de 3,5%. A mudança regulatória, chamada de IMO 2020, foi definida em meados de 2016 pela Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês). Caso as embarcações estejam equipadas com scrubbers (espécie de filtro), elas podem continuar usando o combustível antigo. Um detalhe da regra é que as embarcações têm até 1º de março para queimar o combustível mais poluente que restar nos tanques.
O segmento de cabotagem viu seus custos aumentarem significativamente por causa da escalada nos preços. De acordo com o diretor executivo da Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), Luis Fernando Resano, cerca de 50% dos custos do setor vêm do combustível. “Aqui no Brasil, nenhum armador instalou scrubbers, que são muito caros e eles já sabiam que a Petrobrás iria descontinuar a produção do bunker de 3,5%. Ficamos mais dependentes ainda”, disse. Segundo ele, a alta no custo operacional ficou na casa de 20%, desde outubro.
O setor diz que a Petrobrás viu na escalada de preço do bunker 0,5% uma oportunidade para elevar suas margens. Como o petróleo retirado do mar tem baixo teor de enxofre, a mudança para o novo combustível é menos custosa. Apesar das críticas à estatal, dados da Ship & Bunker mostram que o bunker de 0,5% está mais barato em Santos do que na média de outros portos do mundo – US$ 652 contra US$ 684/t, respectivamente.
Resano diz que o impacto sobre a cabotagem é diferente se comparado com as longas distâncias, sobretudo por causa da concorrência com o transporte por rodovia e a ausência de alternativas de abastecer a embarcação fora do País. “No longo curso, algumas empresas já estão repassando esse preço. Na cabotagem, a gente tem dificuldade”, afirmou.
De acordo com o diretor de Assuntos Institucionais da Aliança Navegação e Logística e da Hamburg Süd, Mark Juzwiak, a diferença entre o bunker de baixo e alto teor é brutal para o setor. Conforme o executivo, o novo patamar de preço elevou praticamente em 25% os custos do transporte. A empresa começou a usar o combustível de menor teor de enxofre para limpar os tanques das embarcações desde meados de outubro. Segundo Juzwiak, seria impossível absorver um preço nesse nível. “Se pegarmos um exemplo de um navio de longo curso, ele consume cerca de 120 toneladas por dia de combustível”, disse. O novo preço traria um custo maior de US$ 20 mil por dia.
Apesar do susto com o preço, empresários e entidades acreditam que o mercado deve começar a se normalizar em seis meses, forçando a Petrobras a reduzir o preço localmente. O bunker de 0,5%, entretanto, deve ficar cerca de 10% acima dos níveis anteriores do IFO 380, uma vez que se trata de um combustível mais complexo de se produzir. “Imagino que agora vai haver uma demanda elevadíssima. Tem poucos fornecedores”, disse Resano.
Já a Maersk, líder mundial no transporte marítimo de contêineres, apontou em relatório trimestral publicado no fim de novembro que os combustíveis com baixo teor de enxofre são mais caros e o custo para a companhia atender ao regulamento da IMO pode exceder os U$ 2 bilhões. “Para a indústria global de contêineres, o custo pode chegar a U$ 15 bilhões”, apontaram. Segundo a Maersk, já foram investidos US$ 260 milhões na adequação das frotas com scrubbers, e a companhia diz que está trabalhando para garantir seus cerca de 700 navios estejam prontos em 2020.
Questionada pela reportagem sobre as críticas aos preços no mercado interno, a Petrobras afirmou que como desde outubro passou a comercializar apenas o produto de baixo teor de enxofre, o preço passou a ser referenciado nas cotações internacionais de bunker com 0,5% de enxofre. “Por ser um produto mais nobre e que requer, na sua formulação, a utilização de correntes de maior valor agregado, é natural que o preço seja mais elevado que o bunker com alto teor de enxofre”, apontou.
A empresa disse ainda que estabelece seus preços de bunker diariamente, alinhados aos mercados internacionais, “sendo sua competitividade demonstrada pela crescente demanda por nosso produto”. Por fim, a estatal garantiu que a oferta do produto aqui no País não será um problema. “Não há risco de falta do produto, porque a Petrobras já fornece o bunker com baixo teor de enxofre desde 1º de outubro de 2019”.
A estatal demonstrou que está de olho nas oportunidades do setor e atingiu, no terceiro trimestre, produção de 110 mil barris por dia de bunker de 0,5%, crescimento de 139% em relação à produção do trimestre imediatamente anterior, de 46 mil bpd. Segundo a empresa, tal avanço visa capturar as oportunidades do mercado na exportação.
A participação do bunker ainda é pequena se comparado com o total de derivados produzidos no trimestre, de 1,816 milhão de barris por dia (bpd). Segundo a diretoria da empresa, entretanto, o combustível deverá ter cada vez mais importância dentro da carteira.
Fonte: Estadão